Por: ALEXANDRA INÁCIO, IVETE CARNEIRO, ANA PAULA LIMA, CLARA VASCONCELOS, ALEXANDRA MARQUES
Avaliação de desempenho, divisão da carreira e a aplicação de quotas à categoria de topo e classificações mais elevadas são as medidas mais contestadas pelos docentes, que chegaram a juntar 100 e 120 mil professores nas ruas. Mas o "clima de indignação", argumentaram ontem ao JN Mário Nogueira e João Grancho, começou no início da legislatura.
"O Ministério sabia que iria aprovar medidas de desvalorização da carreira e protagonizou um ataque brutal à imagem social do professor", afirmou o líder da Fenprof. "De um estado de indignação passámos para um estado de revolta e mesmo que fosse aprovada uma medida positiva a primeira reacção seria de recusa", acrescentou, referindo que o próximo ministro a ocupar a pasta terá de começar por "reconquistar os docentes".
O alargamento da escolaridade obrigatória de 12 anos ou até aos 18 anos de idade "era uma das medidas da legislatura" que acabou por ser anunciada quase no final, aponta Mário Nogueira, referindo ser esse um indicador que prova o "fracasso" do Executivo: o Governo "não conseguiu reduzir para níveis residuais os níveis de insucesso e abandono escolar". Há mais qualificação e certificações, é certo, reconhece, mas essa estatística não equivale a "mais competência e conhecimento".
"A pedagogia cedeu lugar à burocracia", afirmou João Grancho, insistindo que os docentes estão sobrecarregados de trabalho administrativo, mas em compensação os currículos não mudaram na última década. Para o presidente da ANP "a indisciplina e violência escolar foram, claramente, descuradas", afirma este dirigente associativo.
A reforma dos cuidados primários foi a "jóia da coroa" do Governo e a mais aplaudida das políticas de Saúde nos últimos quatro anos. É uma reforma "genuína", porque parte das periferias. Quem o diz é Constantino Sakellarides, director da Escola Nacional de Saúde Pública, que admite um entusiasmo enviesado: é consultor do Ministério para esta área.
"Ninguém de boa fé pode dizer que não foi um avanço", insiste. As unidades de saúde familiar (USF), criadas por iniciativa dos profissionais, dão mais acessibilidade a 25% dos utentes. A reforma está agora "no limiar da segunda fase", com a criação dos agrupamentos de centros de saúde (Aces) que as integram juntamente com outras unidades funcionais.
A incerteza ainda latente em relação a estes Aces é a ponta em que agarra Paulo Kuteev Moreira - especialista em saúde pública da Universidade Nova de Lisboa - para lamentar o maior erro de Sócrates: "a demissão do ministro Correia de Campos por motivos exclusivamente eleitoralistas". Com ela, as reformas "congelaram" e atiraram o Serviço Nacional de Saúde para "o marasmo". Hoje, entre USF e Aces, os cuidados primários estão "indefinidos e sem liderança".
Ambos os analistas concordam numa matéria: o desenvolvimento da rede cuidados continuados. "Ousada" por ligar políticas sociais e de saúde, diz Kuteev Moreira, embora "lenta, porque complexa", admite Sakellarides. Este é, de resto, o único traço positivo da governação socialista, para Kuteev Moreira. Ao lado negro soma a modernização falhada dos hospitais com uma autonomia não implementada, que impediu "soluções inovadoras de gestão"; a falta de acordo nas carreiras com enfermeiros e técnicos de saúde - só os médicos conseguiram -; e a confusão das parcerias público-privadas. Aqui, Sakellarides concorda: foram lançadas para 30 anos sem discussão pública, sem estudos. E isto apesar de o Governo ter - "tarde" - recuado na entrega da gestão clínica dos novos hospitais aos privados.
Do lado bom, Sakellarides aponta a Lei do Tabaco e o estancamento dos gastos em saúde, com orçamentos realistas. Do lado negro, coloca as taxas moderadoras: o Governo não tinha mandato político para ferir o princípio de que se "pré-paga", quando se está são, o apoio a que se tem direito quando se está doente. E conclui com "o ruído" à volta dos encerramentos, feitos ao arrepio do planeamento local, sem alternativas consagradas e mal comunicados. Mas sim, admite, era preciso racionalizar.
Os indicadores de 2009 apontam para a descida da riqueza nacional (PIB) de 3,7% no primeiro trimestre, com as componentes que integram este indicador a assinalar descidas significativas. O consumo interno está em terreno negativo desde o início do ano e o investimento desce a um ritmo próximo dos 20%, o mesmo nível a que regridem as exportações nacionais. Já o desemprego atingiu uma taxa de 8,9%. O final desta legislatura, em termos económicos, está a ser catastrófico, no entanto, na opinião dos economistas ouvidos pelo JN a crise internacional foi a grande responsável por esta realidade. "A nossa economia está tão boa o quanto pode estar no meio da crise", defende Diogo Leite Campos. Para o economista e fiscalista a redução do défice público foi um ponto positivo, a par das políticas para a captação de investimento estrangeiro.
As opções do passado também contribuíram para o impasse da economia. "A economia portuguesa tem um problema de crescimento estrutural desde o início desta década e mais recentemente um problema conjuntural com a crise internacional", explica João Loureiro, professor da Faculdade de Economia do Porto (FEP). Como consequência, "a nossa economia não consegue criar emprego e têm-se perdido muitos postos de trabalho". O controlo orçamental das contas do Estado e a reforma da Segurança Social são, para João Loureiro, medidas importantes. Pela negativa, o economista destaca a falta de um sitema judicial eficiente que tem prejudicado a competitividade das empresas. O economista acredita que quando a crise passar, o país vai assistir a uma subida dos números do desemprego.
Nestes quatro anos muita coisa mudou na Justiça. Desde o simples relacionamento com os tribunais, feito cada vez mais através de meios electrónicos; até às leis penais, passando por uma nova organização judiciária. E mudou também o foco linguístico: há quatro anos falava-se da morosidade como estando na origem da crise; hoje fala-se sobretudo de descredibilização e deslegitimação do poder judicial. A Justiça passou a ser avaliada não pela forma, mas pelo conteúdo. E esta é, também, uma grande mudança. E a que mais agastados deixa os operadores judiciários.
"Este governo foi pródigo em deslegitimar os tribunais, como se não percebesse que os tribunais não são os juízes, são um órgão de soberania e que, ao deslegitimá-los, está a deslegitimar o próprio Estado para administrar a Justiça", diz António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.
É o tal "clima de crispação" de que fala João Palma, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e que marcará para sempre o mandato de Alberto Costa. Medidas tomadas logo no primeiro ano de legislatura, como o fim das férias judiciais ou do sub-sistema de saúde, deram início a essa "crispação".
"Não se procurou um clima propício à implementação das reformas necessárias", diz João Palma.
Reformas necessárias, que segundos os dois magistrados não são as implementadas pelo ministro da Justiça. Quanto a essas em nada vieram melhorar o sistema. Quem aí vier, segundo Martins, "só vai herdar passivos". É que, segundo dizem, embora já não se fale dela, a morosidade não foi eficazmente combatida, sobretudo, porque não se investiu em meios humanos.
Só para o Ministério Público serão necessários entre 100 a 150 novos magistrados, segundo o sindicato. O PGR, para já, só precisa de 40 para acudir rapidamente às comarcas-piloto do novo mapa judiciário, a funcionar desde o início do ano.
Se os incêndios florestais estivais (2005 e 2006) foram a maior dor de cabeça do ministro da Administração Interna (MAI) António Costa - que deixou a pasta a 17 de Maio de 2007 -, a de Rui Pereira foi a escalada do crime violento em 2008, traduzido em assaltos a bancos com reféns, a caixas multibanco e a gasolineiras, com armas de fogo.
O MAI propôs em Setembro mudar a Lei das Armas para o crime com arma ser punível com prisão preventiva, mas os deputados só a aprovaram na Primavera. Nesta questão, "o Governo actuou tardiamente mas bem", afirmou Ângelo Correia ao JN.
Elogiada pelo ex-MAI do Bloco Central como "muito positiva" é a troca de informação entre os órgãos policiais, sob articulação do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna.
Nota negativa atribui à "mal concebida" reestruturação territorial. "As acções operacionais deveriam estarconfinadas aos comandos", defende.
A adaptação às novas áreas ajudou à eclosão de conflitos em bairros sociais - Quinta da Fonte (Loures) e Bairro da Bela Vista (Setúbal) -, o que levou (até à data) à assinatura de 29 Contratos Locais de Segurança, segundo disse ao JN fonte do MAI.
Do PCP ao CDS-PP, é referido que no início de 2007, Sócrates anunciouo congelamento das admissões de agentes, recuando depois. Os cursos começaram em Janeiro na PSP e em Abril na GNR, mas os dois mil efectivos só em Outubro se juntarão aos 46 mil existentes.
Este facto e a corrida às aposentações gerou a falta de efectivos ao policiamento de proximidade, realça António Filipe (PCP): "Em matéria de segurança, estes quatros anos caracterizam-se por uma total incapacidade de resposta do Governo", resume.
Nuno Magalhães (CDS) aponta os 4800 funcionários públicos não transferidos para funções administrativas do MAI, maus um falhanço segundo Ângelo Correia- e o aumento de agressões a polícias. Uma autoridade "abastardada" pelos agentes quando atiram o boné ao chão. "A farda é um símbolo da autoridade do Estado. Critico o silêncio do MAI nesta questão".
"A demissão de Correia de Campos por motivos exclusivamente eleitoralistas foi um erro que congelou as reformas do SNS". Paulo K. Moreira
"Mantém-se um elevado défice externo que não foi resolvido durante esta legislatura."
João Loureiro
"O governo, ao deslegitimar os tribunais está a deslegitimar o próprio Estado para Administrar a Justiça." António Martins
"Se há marginalidade, desemprego e pobreza, o falhanço nestas áreas reflecte-se na segurança interna que é uma vítima". Ângelo Correia
"O que mudou, fundamentalmente, nestes quatro anos, foi o relacionamento entre os professores e a tutela." Mário Nogueira